domingo, 31 de maio de 2009

Lost in Life - episódio 11

Dizem que o valor de uma pessoa se mede pelas lágrimas derramadas no momento de sua morte... escutara essa frase em algum lugar. Imaginava como o pai dela teria morrido. Ainda não ficou sabendo... deve ter sido algo bem trágico, afinal. Não deve nem ao menos ter tido tempo de chorar, não é mesmo? Enquanto andava nas calçadas mal feitas do bairro onde morava, se pegava pensando se ele teve o que mereceu. Ele batia na única pessoa em quem Yabi podia se apoiar. As fazia sofrer... às vezes não aparecia em casa o fim de semana todo. Bebia até cair e aparecia só na segunda-feira... Nunca chegou em casa bêbado, mas a vizinhança comentava quando ele dormia na rua. Não era alcóolatra, mas quando não conseguia controlar a amargura dentro de si, descarregava de outro jeito. Às vezes batendo na esposa, às vezes saindo com outras mulheres... às vezes bebendo. Não tinha lá muitos problemas financeiros, mas brigava muito com o pai, de quem dependia, pois era dono da empresa em que trabalhava. Yabi achava que nada disso justificava suas atidudes.

Ela lembrou-se do dia em que o pai chegou em casa fumando. Não virou fumante, mas Yabi temia que virasse. Lembra-se de ter tido vontade de dizer a ele que, caso morresse de um câncer de pulmão ou algo parecido, ela não iria nem ao seu enterro... mas nunca teve coragem. Havia várias coisas que ela ensaiava na frente do espelho para dizer a ele... até mesmo quando ele batia em sua mãe. Mas nada do ensaiado foi dito a ele. Nenhum dos sentimentos de amargura compartilhados com a mãe foram divididos com ele...

Chegou em casa. Pegou o cachorro, a tigela e o saco de ração e saiu. Parou para pegar um sanduíche num fast food, e passou a guiar o cachorro para o parque mais próximo. Lá prendeu a coleira dele ao banco e pôs-se a mordiscar o sanduíche, com o pouco apetite que tinha. O cão pedia com os olhos miúdos por um pedaço do sanduíche, fazendo aquele som de choro. A garota, sem perceber, continuou seu lanche. *cão* se desvencilhou da coleira, sabe-se lá como, e correu na direção de um carrinho de cachorro quente que havia no parque. Quando pulou sobre ele, derrubou alguns pães e machucou uma pata. O vendedor se desculpou com cliente que lá estava, e disse que daria um devido castigo ao animal. O moço recusou: "veja, é só um pobre animal... deve estar com fome, coitadinho." Assim puxou algumas notas do bolso e pôs sobre o carrinho:
_Espero que isso pague o estrago, senhor.

O homem, sem jeito, pegou o dinheiro e limpou a sujeira. O jovem abaixou-se e deu a salsicha do sanduíche para o cachorro, que, contente, aceitou de bom grado. Yabi correu até lá, e tirou-lhe a salsisha da boca: "Ele só come ração."
Agradeceu o rapaz pelo modo como tratou o cachorro e os dois puseram-se a andar pelo parque, com o cachorro ora nos braços de um, ora nos braços de outro. Yabi observava o menino intrigada: não era alto nem baixo, era loiro, tinha os olhos claros, mas a pele escura. Era um moço bonito...
_ O que veio fazer aqui? - perguntou o menino.
_ Bem... comprei um sanduíche aqui perto, e vim pra cá para comer... prendi o mocinho aí num banco, mas o espertinho escapou. Me desculpe o trabalho que ele deu...
_Ah, não foi nada...

Depois desse dia não voltaram a se encontrar. Yabi voltou para a casa da avó, onde a esperou voltar do enterro com sua mãe.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Lost in Life - Episódio 10

A noite chegava, e a mãe já dormia como uma pedra. Yabi subiu para o quarto. Para pensar, pensar no pai... É claro que nunca foi o pai agradável que ela gostaria de ter tido, mas, poxa, ele viu seus primeiros passos, do lado da cômoda de madeira daquele quarto, logo ali. Ele a mandava levantar sempre que ela caía, dizendo que não foi nada. Ele fazia tudo aquilo, não fazia? Não dizia? Não? Bom, é melhor lembrar coisas boas sobre ele, mesmo que sejam meras ilusões... Ligou o som, colocou uma música lenta qualquer, e fechou os olhos...
Acordou, se vestiu, escovou os dentes e desceu;

Enquanto isso, no andar de baixo, na sala, a moça acordava e começava a conversar com a mãe.
_ Minha filha,você precisa conversar com ela! Não poderá esconder isso por muito tempo... quando saírem as intimações...
_ Mamãe, me deixe pensar. Não consigo pensar com você o tempo todo me torturando!

Quando Yabi percebeu, já estava no pé da escada. Não havia mais como se esconder, ou mesmo finjir que não escutou.
_Que conversa é essa, hein? O que é que vocês precisam conversar comigo?
_Conversar? Alguém falou o seu nome, minha querida?? - respondeu a avó.
_Eu espero que não estejam me escondendo nada. Porque se estiverem... ah, vocês vão ver.

Então ela passou olhando no fundo dos olhos da mãe, e se dirijiu à porta de saída.
_ Onde você vai, filha?
_ Vou lá em casa, pegar o cachorro*... Depois vou dar uma volta por aí. Mas não se preocupem, eu volto ainda a tarde. Vou ver se como alguma coisa por aí.
_ Hoje é o enterro do seu pai.
_ Ele nunca me chamou de filha, ao menos quando tentava me lembrar que eu ainda devia respeito a ele. Mesmo ele não nos respeitando. Eu vi a decadência dele antes mesmo que ele começasse a cavar a própria cova. E agora, lá está ele, esperando seu lugar na enorme fila da porta do inferno... Eu não vou lá presenciar tal espetáculo. Vão vocês.