domingo, 15 de julho de 2012

Era uma sexta-feira quando Yabi chegou em casa e sua mãe esperava por ela, junto à sua avó. Pediram que se sentasse, e assim ela fez.
"Filha, eu não queria que fosse assim."

A menina permaneceu quieta, esperando o que viria depois.

"Eu lamento que as coisas tenham saído desse jeito. Eu fiz o que fiz, e não me esforcei em esconder isso. Não estou tentando me livrar da culpa, o que eu quero dizer é que na vida, infelizmente não há lado certo e errado. Nós dois cometemos nossos excessos estamos pagando por isso. Eu peço desculpas por tirar o seu pai de você, e peço desculpas por te deixar sozinha. Eu não espero que você me perdoe, mas eu precisava dizer isso."

A menina permaneceu quieta. Embora entre soluços e lágrimas, não disse uma palavra. Não sabia o que dizer. Não sabia de que lado ficar. Permaneceu neutra. A mãe se levantou, esfregando o rosto, tentando esconder a vergonha, e sussurou para a avó: "Por favor, mamãe. Cuide bem dela, é tudo que peço". Depois disso, subiu para o quarto. No outro dia, pela manhã, já não estava mais lá. Se entregou antes que mudasse de ideia. Antes que passasse pelo constrangimento de ser buscada em casa, algemada, e levada à força.

"Eu o matei com a faca. Cinco perfurações no peito."

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Lost in Life - episódio 13

Semanas se passaram. Yabi começou a estudar e prestar mais atenção à aulas. A vida não era tumultuada como antes, e ela nunca parou pra imaginar o que faria se não estive em constante medo de que estourasse, a qualquer momento, uma briga entre seus pais. Nunca imaginou como seria sua vida sem seu pai, e com sua mãe presa. Ainda que não quisesse imaginar que sua mãe fosse de fato a culpada, tinha que considerar a possibilidade de viver sem ela. Como seria? Como seria estudar e viver como as outras meninas do colégio? Poder sair e encontrar os colegas depois da aula?

A vida continuava. Continuava, mas não se mostrava tão diferente. Os hábitos eram os mesmos. Casa, colégio, casa, cama. Parecia que nada mudaria enquanto não soubesse que destino teria sua mãe. Nada mudaria enquanto não soubesse o que houve, e a menina estava assustada demais para perguntar. Porque sabia que era errado o que ela teria supostamente feito, e por outro lado, parecia justo. E na confusão entre ética e ressentimentos, era melhor que ficasse neutra. Por isso não tocava no assunto, não se envolvia. Agradecia haver alguém com a incubência de julgar, porque ela não se sentia nada confortável com isso.

Lost in life - episódio 12

Acordou com o corpo doído, sentia como se estivesse há anos dormindo! Também, pudera, devia ter dormido umas 20 horas direto... quando acordou, imaginou do que o pai teria morrido. Ninguém a dissera nada ainda... talvez fosse esse o tal assunto que sua mãe teria que conversar com ela. O homem bebia, mas não o bastante para ser chamado de alcóolatra ou morrer de cirrose. Também não tinha outros vícios, além de futebol. Talvez tivesse morrido num acidente de carro, ou sabe-se lá... Parou de pensar quando sentiu o cachorro lamber-lhe os lábios: "sai daqui, não quero beijo de cachorro!" Pôs os chinelos e desceu cambaleando. A avó estava na sala, tomando um café. Não falou da mãe, do pai, de ninguém. Apenas disse "bom dia" e ligou a televisão. As mesmas notícias de sempre, nada de diferente. Sentou do lado da avó. Esperou que ela dissesse algo, mas ela não abriu a boca. Então a menina pegou um pão na cozinha, enrolou num papel e guardou no bolso. Pôs a coleira no cachorro e saiu de casa.

Já faziam quantos dias que não ia à escola? Dois? Três? A escola já foi tanto um refúgio de seu pai, que agora sem ele, parecia não ter mais utilidade alguma. Sentia-se livre por um lado, e presa por outro. Livre de seu pai, livre da pressão psicológica, livre do cheiro de álcool e perfume de mulher. Livre dos jogos de futebol, de chororô da mãe. E ainda assim, presa por tudo. Presa pelo passado.

Resolveu ir até a praça onde comprara o cachorro-quente no dia anterior procurar o rapaz simpático que tinha conhecido, mas não o encontrou. A praça parecia vaga demais naquele dia, como se todos tivessem dedicido ficar em casa. Resolveu que voltaria ao colégio no dia seguinte, que não valia a pena viver vagando por aí procurando por pessoas quem nem se quer sabia o nome.

Como decidido, foi à escola no outro dia. Os colegas cochichavam, e alguns perguntaram o que havia acontecido. Mais por curiosidade do que preocupação, imaginava ela. Ela só respondia "meu pai morreu" e não comentava nada mais, até porque nem ela sabia. Quando terminou a aula, juntou os livros e saiu. Talvez a primeira vez em que saía com todo mundo, ao invés de sozinha, enxotada pelo zelador. Não pegou um ônibus, voltou a pé, e quando chegou na casa da avó, mais uma vez, só encontrou ela em casa. Perguntou pela mãe.
_ A sua mãe saiu, foi dar um depoimento. Ela foi chamada pra depor sobre a morte de seu pai. Desconfiam que..
_ Desconfiam?
_ Que ela o matou.
_ Mas como assim? Ela não o matou! Certo?
_ Ele foi esfaqueado. Quando encontraram o corpo e fizeram a biópsia, não conseguiram entrar em contato com ela. A essa hora devem estar perguntando onde ela estava.
_ Então era isso... que ela devia falar comigo...
_ Passei a tarde pensando em como lhe contar isso. Preferi ser direta com você, querida.

Depois disso subiu para o quarto e passou o dia folheando os livros do colégio. As provas estavam chegando e ela não sabia nem os nomes dos professores. Certamente esse não era o melhor momento para mudar isso, mas algum momento isso tinha de ser feito...

domingo, 31 de maio de 2009

Lost in Life - episódio 11

Dizem que o valor de uma pessoa se mede pelas lágrimas derramadas no momento de sua morte... escutara essa frase em algum lugar. Imaginava como o pai dela teria morrido. Ainda não ficou sabendo... deve ter sido algo bem trágico, afinal. Não deve nem ao menos ter tido tempo de chorar, não é mesmo? Enquanto andava nas calçadas mal feitas do bairro onde morava, se pegava pensando se ele teve o que mereceu. Ele batia na única pessoa em quem Yabi podia se apoiar. As fazia sofrer... às vezes não aparecia em casa o fim de semana todo. Bebia até cair e aparecia só na segunda-feira... Nunca chegou em casa bêbado, mas a vizinhança comentava quando ele dormia na rua. Não era alcóolatra, mas quando não conseguia controlar a amargura dentro de si, descarregava de outro jeito. Às vezes batendo na esposa, às vezes saindo com outras mulheres... às vezes bebendo. Não tinha lá muitos problemas financeiros, mas brigava muito com o pai, de quem dependia, pois era dono da empresa em que trabalhava. Yabi achava que nada disso justificava suas atidudes.

Ela lembrou-se do dia em que o pai chegou em casa fumando. Não virou fumante, mas Yabi temia que virasse. Lembra-se de ter tido vontade de dizer a ele que, caso morresse de um câncer de pulmão ou algo parecido, ela não iria nem ao seu enterro... mas nunca teve coragem. Havia várias coisas que ela ensaiava na frente do espelho para dizer a ele... até mesmo quando ele batia em sua mãe. Mas nada do ensaiado foi dito a ele. Nenhum dos sentimentos de amargura compartilhados com a mãe foram divididos com ele...

Chegou em casa. Pegou o cachorro, a tigela e o saco de ração e saiu. Parou para pegar um sanduíche num fast food, e passou a guiar o cachorro para o parque mais próximo. Lá prendeu a coleira dele ao banco e pôs-se a mordiscar o sanduíche, com o pouco apetite que tinha. O cão pedia com os olhos miúdos por um pedaço do sanduíche, fazendo aquele som de choro. A garota, sem perceber, continuou seu lanche. *cão* se desvencilhou da coleira, sabe-se lá como, e correu na direção de um carrinho de cachorro quente que havia no parque. Quando pulou sobre ele, derrubou alguns pães e machucou uma pata. O vendedor se desculpou com cliente que lá estava, e disse que daria um devido castigo ao animal. O moço recusou: "veja, é só um pobre animal... deve estar com fome, coitadinho." Assim puxou algumas notas do bolso e pôs sobre o carrinho:
_Espero que isso pague o estrago, senhor.

O homem, sem jeito, pegou o dinheiro e limpou a sujeira. O jovem abaixou-se e deu a salsicha do sanduíche para o cachorro, que, contente, aceitou de bom grado. Yabi correu até lá, e tirou-lhe a salsisha da boca: "Ele só come ração."
Agradeceu o rapaz pelo modo como tratou o cachorro e os dois puseram-se a andar pelo parque, com o cachorro ora nos braços de um, ora nos braços de outro. Yabi observava o menino intrigada: não era alto nem baixo, era loiro, tinha os olhos claros, mas a pele escura. Era um moço bonito...
_ O que veio fazer aqui? - perguntou o menino.
_ Bem... comprei um sanduíche aqui perto, e vim pra cá para comer... prendi o mocinho aí num banco, mas o espertinho escapou. Me desculpe o trabalho que ele deu...
_Ah, não foi nada...

Depois desse dia não voltaram a se encontrar. Yabi voltou para a casa da avó, onde a esperou voltar do enterro com sua mãe.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Lost in Life - Episódio 10

A noite chegava, e a mãe já dormia como uma pedra. Yabi subiu para o quarto. Para pensar, pensar no pai... É claro que nunca foi o pai agradável que ela gostaria de ter tido, mas, poxa, ele viu seus primeiros passos, do lado da cômoda de madeira daquele quarto, logo ali. Ele a mandava levantar sempre que ela caía, dizendo que não foi nada. Ele fazia tudo aquilo, não fazia? Não dizia? Não? Bom, é melhor lembrar coisas boas sobre ele, mesmo que sejam meras ilusões... Ligou o som, colocou uma música lenta qualquer, e fechou os olhos...
Acordou, se vestiu, escovou os dentes e desceu;

Enquanto isso, no andar de baixo, na sala, a moça acordava e começava a conversar com a mãe.
_ Minha filha,você precisa conversar com ela! Não poderá esconder isso por muito tempo... quando saírem as intimações...
_ Mamãe, me deixe pensar. Não consigo pensar com você o tempo todo me torturando!

Quando Yabi percebeu, já estava no pé da escada. Não havia mais como se esconder, ou mesmo finjir que não escutou.
_Que conversa é essa, hein? O que é que vocês precisam conversar comigo?
_Conversar? Alguém falou o seu nome, minha querida?? - respondeu a avó.
_Eu espero que não estejam me escondendo nada. Porque se estiverem... ah, vocês vão ver.

Então ela passou olhando no fundo dos olhos da mãe, e se dirijiu à porta de saída.
_ Onde você vai, filha?
_ Vou lá em casa, pegar o cachorro*... Depois vou dar uma volta por aí. Mas não se preocupem, eu volto ainda a tarde. Vou ver se como alguma coisa por aí.
_ Hoje é o enterro do seu pai.
_ Ele nunca me chamou de filha, ao menos quando tentava me lembrar que eu ainda devia respeito a ele. Mesmo ele não nos respeitando. Eu vi a decadência dele antes mesmo que ele começasse a cavar a própria cova. E agora, lá está ele, esperando seu lugar na enorme fila da porta do inferno... Eu não vou lá presenciar tal espetáculo. Vão vocês.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Lost in Life - episódio 9

Yabi se fechou. Não queria mais conversar sobre seu pai. Queria saber onde estava sua mãe... Queria saber do seu primo. Para mudar de assunto, perguntou sobre ele. Parecia que a mãe dele havia aceitado uma proposta de emprego no exterior e ele foi junto, mas apenas em intercâmbio. Não sabiam ao certo quando ele voltava.

Ela ficou com a avó, tentando reviver as lembranças dos dias no sofá, ouvindo os momentos marcantes da vida de sua avó... junto com o seu primo, seu melhor amigo de infância. Seu primo..

Como já é de praxe, o som da campainha interrompe o momento nostalgia.

_Ora, quem será a esta hora da manhã? Se for algum daqueles vendedores ambulantes eu vou.. - reclamava a avó.
*Toc-toc*
_Já vou abrir! - ela abriu a porta, e surpreendeu-se.
_Mamãe... - caiu, imóvel, sobre os braços da velha senhora. Estava exausta.

A senhora gritou, desesperada:
_Yabi, depressa! Me ajude a colocá-la no sofá!
Quando ela acordou, deram-lhe água e fizeram-na se acalmar.

Ela não falava muito, dizia que estava exausta porque tinha andado muito. Não disse aonde e nem porquê. Yabi e sua avó também não tocaram no assunto da morte do pai.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Lost in Life - episódio 8


Saiu do colégio correndo. Chorando. Depois, quando se cansou de correr, foi andando. Até chegar na casa da avó. Dessa vez tinha certeza de que ela estaria lá. Bateu na borta, nem precisou usar a campainha.
_ Yabii!
_ Vovó!
Jogou-se nos braços da avó mas cuidou para não derramar nenhuma lágrima naquele momento. Não queria que sua avó a visse chorando, assim como Yabi também não queria vê-la chorando.
_ Eu sinto muito, minha querida...
_ Eu posso entrar?
_ Ah, claro. Entre.

Sentaram-se no sofá as duas e ficaram em silêncio um minuto. Dois. Cinco. Dez. Até que a avó interrompeu o momento:
_ Tu sabes onde está a sua mãe..?
_ Não. A senhora sabe?
_ Minha querida..
_ O que aconteceu, vovó? - ela ficou curiosa.
_ Conte-me uma coisa. Tu sabes como era a relação entre teus pais?
_ Como assim como era a relação entre eles? Relação de marido e mulher...
_ Não é isso. Quero saber como estavam.. estavam de bem um com o outro? Ou haviam brigado?
_ O que está querendo dizer? Eles não estavam muito bem não.. Na verdade nunca estiveram muito bem. Mas por que a pergunta?
_ Ele batia na sua mãe, não batia?
_ Quem lhe disse isso?
_ Yabi, seu pai não está aqui. Pode me contar tudo.
_ Quem lhe disse?
_ Não importa. Seu pai não era bom com vocês duas.
_ Porque esse assunto agora? Onde está a mamãe, pode me dizer?
_ Não posso porque não sei.